7 de jan. de 2011

Intervalo do amor

No meio do fragor líquido, nossas bocas se mexiam dizendo, e na verdade só víamos as bocas se mexendo mas não as ouvíamos - olhávamos um para a boca do outro, vendo-a falar, e pouco importava que não ouvíssemos, oh em nome de Deus pouco importava. 
E em nome nosso, bastava ver que a boca falava, e nós ríamos porque mal prestávamos atenção. E no entanto chamávamos esse não-ouvir de desinteresse e de falta de amor. 
Mas na verdade como dizíamos! dizíamos o nada. No entanto tudo tremeluzia como quando lágrimas grossas não se desprendem dos olhos; por isso tudo tremeluzia.
Nesses intervalos nós pensávamos que estávamos descansando de um ser o outro. Na verdade era o grande prazer de um não ser o outro: pois assim cada um de nós tinha dois. Tudo iria acabar, quando acabasse o que chamávamos de intervalo do amor; e porque ia acabar, pesava trêmulo com o próprio peso de seu fim já em si. Lembro-me de tudo isso como através de um tremor de água.

Clarice Lispector em "A Paixão Segundo G.H.", editora Rocco, p. 119

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