23 de fev. de 2010

Acuidade da Estranheza

Um pouco espantada, o calor da tarde então envolveu-a, inquieto, pesado. Nada se transformara no campo que continuou cheio de imóvel sol. No entanto por um instante a moça não o reconheceu e não se reconheceu, e se olhasse ao espelho veria grandes olhos olhando-a mas não se veria. Com a acuidade da estranheza, notou na própria mão uma veia que havia há anos não notava, e viu que tinha dedos magros e curtos, e viu uma saia cobrindo os joelhos. E sob tudo o que ela era, sentiu alguma coisa: sua própria atenção. Um pouco aflita, olhou em torno. Por uma obscura necessidade de preservação, estava procurando recuperar no campo aquele minuto em que ela ousadamente aceitara amar o homem: procurava recuperar o minuto para destruí-lo. Mas, estonteada, talvez soubesse que também  a necessidade de destruir amor era o próprio amor porque amor é também luta contra o amor, e se ela o soubesse é porque uma pessoa sabe. Procurou, desesperada e ofendida, aquele minuto que já agora nunca mais ela saberia se fora fatal ao ponto de submetê-la - ou se nesse minuto ela própria fora tão extremamente livre que, numa gratuidade que já era pecado e que depois se pagava, ela o apontara.

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