Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.
Nada mais tenho a ver com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida. Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal.
Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha. Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer. As palavras já ditas me amordaçaram a boca.
Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria.
Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto. O futuro é meu enquanto eu viver. No futuro vai ter mais tempo de viver, e, de cambulhada escrever. Eu não escrevo cartas pra você porque só sei ser íntima. Aliás eu só sei em todas as circunstâncias ser íntima: por isso sou mais uma calada. Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia?
Vejo as flores na jarra: são flores do campo, nascidas sem se plantar, são lindas e amarelas. Mas minha cozinheira disse: mas que flores feias. Só porque é difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta?
O monstro sagrado morreu: em seu lugar nasceu uma menina que era sozinha. Bem sei que terei de parar, não por causa de falta de palavras, mas porque essas coisas, e sobretudo as que eu só pensei e não escrevi, não se usam publicar em jornais.
24 de jul. de 2009
O monstro sagrado morreu
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